JUÍZO DE DIREITO DA __ VARA CRIMINAL DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PAULO e JOÃO, desempregados e passando por dificuldades financeiras, entraram em um coletivo e, após anunciarem que se tratava de um "assalto", subtraíram os pertences de cinco passageiros que lá se achavam. O fato ocorreu em 07.01.03.
PAULO estava armado e, com João, saltou correndo do ônibus (o que levantou a desconfiança de policiais) para ingressarem no carro de Júlio, que os aguardava. O trio veio a ser preso antes de o veículo sair do local.
Os objetos subtraídos foram integralmente recuperados, sendo certo que a arma utilizada na empreitada criminosa também foi apreendida.
PAULO e JOÃO são menores de 21 anos (documentos nos autos), enquanto JULIO universitário, é usuário de entorpecente. PAULO é reincidente e, assim como JOÃO, está indiciado em diversos inquéritos. PAULO e JOÃO foram denunciados nas penas do artigo 157 § 2º, I e II, por cinco vezes, na forma do artigo 69, do Código Penal, enquanto JULIO o foi pela prática do injusto do artigo 349 do mesmo diploma legal.
Nas alegações finais, provados os fatos narrados na inicial, o MP requereu a condenação de todos os réus nas penas do artigo 157 § 2º, I e II, por cinco vezes, em concurso material.
A defesa de PAULO e JOÃO, preliminarmente, requereu a nulidade do processo em razão de os réus não terem sido assistidos por curador, quando do interrogatório judicial; os acusados negaram o fato.
No mérito, pugnou pela absolvição com fulcro na excludente do artigo 24 do Código Penal. Subsidiariamente, req 24324m1220y uereu o reconhecimento da forma tentada, a aplicação da pena no mínimo legal e do disposto no artigo 71 do diploma legal antes referido.
A defesa de JULIO, preliminarmente, destacou que o pedido condenatório do MP não pode prevalecer, uma vez que não foi denunciado pelo crime patrimonial.
No mérito, requereu absolvição aduzindo a atipicidade da conduta do acusado. Como pedido subsidiário, pugnou pela aplicação do disposto no § 1º do artigo 29 do Código Penal.
É o Relatório. Passo a decidir.
Em relação a preliminar de nulidade do processo argüida por João e Paulo pela falta de nomeação de curador quando do interrogatório judicial, esta não deve prosperar ante a revogação, pela Lei 10.792/2003, do artigo 194 do Código de Processo Penal que previa a necessidade do interrogatório do acusado menor proceder-se na presença do curador.
Também vale ressaltar que atualmente tem-se o entendimento de ser desnecessária a nomeação de curador ao réu com menos de 21 anos, já que pelo Código Civil de 2002 a menoridade cessa aos 18 anos, conforme artigo 5º do diploma legal já citado.
Destaca-se ainda o que prevê o art. 563 do Código de Processo Penal, que dispõe não haver nulidade sem prejuízo.
Neste sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como se ver a seguir:
"Crime de roubo duplamente qualificado prisão em flagrante alegação de nulidade artigo 360 do código de processo penal lei 0792/03 - réu citado pessoalmente e assistido por defensor quando do interrogatório vício argüido no momento próprio ausência de prejuízo Com oadvento do novo código civil, o menor de 21 e maior de 18anos não é mais relativamente incapaz - abrrogação e derrogação dos dispositivos do código de processo penal que se referem ao menor de 21 anos e nomeação de curador preliminares rejeitadas - prova induvidosa da autoria - prisão na posse de alguns dos bens subtraídos não recuperação de parte da res furtiva - consumação sendo duas as causas de aumento de pena o agravamento não pode ser o mínimo - patrimônios distintos concurso formal crime cometido com grave ameaça a pessoa e emprego de arma de fogo exige regime fechado desprovimento do recurso." (Apelação Criminal nO 2005.050.00145 - ReI. Des. Fátima clemente - Julgamento em 23/03/2005 - 78 Câmara Criminal)
No tocante a preliminar de que o pedido condenatório do Ministério Público não poder prevalecer, uma vez Julio que não foi denunciado pelo crime patrimonial, esta alegação também não merece acolhida..
Isso porque ao autor cabe alegar os fundamentos que embasam a denúncia. E ao réu, cabe se defender dos fatos que lhe são imputados, e não da classificação jurídica, cabendo ao magistrado defini-la, com base no princípio da substanciação. O artigo 383 do CPP, diz que "o juiz pode dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave".
Dessa forma, rejeito as preliminares argüidas.
No mérito, verifica-se que restaram comprovados tantos os indícios de autoria como a materialidade dos crimes ante as provas acostadas aos autos e os depoimentos colhidos em instrução. Paulo e João anunciaram que se tratava de um "assalto", e ambos subtraíram os pertences de cinco passageiros que lá se achavam. Para vencerem a resistência das vítimas foi utilizada arma de fogo que estava em poder de Paulo.
Desta forma, verifica-se que estão presentes as causas especiais de aumento de pena do emprego de arma e do concurso de pessoas. Isso porque a arma foi apreendida, não havendo dúvida quanto o seu potencial para aumentar o real poder de ataque dos acusados. E quanto ao concurso de pessoas, não há como negar a sua existência, já que, como vimos, houve divisão de tarefas entre Paulo e João, cada qual executando atos de subtração.
A defesa de Paulo e João pugna pela absolvição com fulcro na excludente de estado de necessidade trazida pelo artigo 24 do Código Penal. A situação em tela abarcada por tal excludente visto que as meras alegações do acusado sobre a difícil situação financeira em decorrência de desemprego não são suficientes para caracterizar o estado de necessidade.
Conforme o disposto no artigo 24 do Código Penal, considera-se em estado de necessidade "quem pratica fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável". Desemprego e dificuldade financeira não caracterizam, por si sós, o estado de necessidade, que repousa em outros pressupostos, a teor do art. 24 do Código Penal, impondo-se, concretamente, que a conduta seja inevitável, ante uma situação de perigo, e praticada para salvar direito próprio ou alheio, o que não se reconhece no presente caso.
Não se pode falar em inevitabilidade do dano no caso em tela porque existem outros meios lícitos para alcançar a satisfação dos interesses dos acusados. As condutas pelas quais eles optaram revelam-se contrárias ao direito, sendo, portanto, incabível a tese de que o roubo foi praticado em estado de necessidade.
Corroborando esse entendimento, podemos destacar julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis:
"ROUBO EM COLETIVO. PROVA ROBUSTA DE AUTORIA.
INVIABILIDADE DA DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO. DOSIMETRIA REVISTA. APELO
PARCIALMENTE PROVIDO. Se evidente a ocorrência de grave ameaça às vítimas,
caracterizado está o roubo, inviabilizando a desclassificação para furto. Não
é possível o reconhecimento da discriminante do estado de necessidade, in casu,
porque a falta de recursos financeiros, desemprego, situações de penúria ou
doença não podem justificar a prática de ilícitos penais com violência ou grave
ameaça à pessoa. Dosimetria revista, com redução da reprimenda e
concessão de "sursis". Provimento parcial do recurso."
(Apelação Criminal 2005.050.06257; Dês. Eduardo Mayr - Julgamento: 14/02/2006 -
Sétima Câmara Criminal)
O primeiro e o segundo acusados também pugnam, subsidiariamente, pelo reconhecimento da forma tentada para os crimes por eles praticados. Segundo o artigo 14, incisos I e II, do Código Penal, o crime considera-se consumado, "quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal", e será tentado "quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente".
No caso em tela, trata-se de crime material que somente se consuma com a efetiva subtração das coisas móveis do patrimônio dos lesados. Verifica-se que não houve consumação, já que os três acusados foram presos em flagrante delito logo que desembarcaram do ônibus e não puderam dispor, nem momentaneamente, das coisas subtraídas. Constata-se, assim, que não houve posse mansa e pacífica das coisas subtraídas e, portanto, não se fizeram presentes todas as elementares do tipo.
Neste sentido podemos destacar jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ressaltando que se trata de matéria controvertida:
"Roubo simples tentado. Acusado que não desfrutou da posse tranqüila das res furtivae, não tendo elas saído da esfera de vigilância dos lesados. Iter criminis percorrido que chegou próximo à consumação. Autoria inconteste. Prisão em flagrante. Réu surpreendido na posse da bicicleta anteriormente roubada da vítima. Pena-base aplicada no mínimo legal. Regime prisional semi-aberto que não está a merecer reparo. Decisão fundamentada, sendo importante ressaltar a desnecessária agressão física efetivada contra a vítima mulher. Decisão que deve ser mantida."
(2003.050.02330 - Apelação Criminal; Dês. Adilson Vieira Macabu - Julgamento: 16/06/2005 - Segunda Câmara Criminal)
Vale ainda ressaltar recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal corroborando o entendimento de que se trata de crime tentado, como podemos ver a seguir:
Sendo assim, deverá incidir na terceira fase do processo trifásico a causa geral de diminuição de pena prevista no artigo 14, II e parágrafo único do Código Penal.
Por fim, a defesa de Paulo e João requereu, subsidiariamente, a aplicação do artigo 71 do Código Penal, sustentando, assim, a tese de crime continuado.
No caso em tela, houve pluralidade de condutas e resultados, acarretando a aplicação da pena em concurso material ou o reconhecimento da continuidade delitiva.
A hipótese é de crime continuado, pois o agente, mediante mais de uma ação, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, sendo que, pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro. Ou seja, os roubos subseqüentes antecipados mentalmente são tidos como continuação do primeiro.
Quanto ao terceiro acusado, não há que se falar em atipicidade de sua conduta. Júlio foi denunciado pela prática do injusto do artigo 349 do Código Penal. No entanto, da narrativa dos fatos constatou-se que Júlio estava aguardando Paulo e João desembarcarem do ônibus, o que revela o prévio ajuste entre os três acusados para a realização do crime de roubo.
Aplica-se a regra da emendatio libelli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal, porque o eu se defendeu dos fatos narrados e não da tipificação feita pelo parquet.
Deve ser aplicada a norma de extensão do art. 29 do Código Penal, uma vez que na divisão de tarefas Júlio ficou encarregado de dar fuga ao grupo para assegurar o sucesso do crime. Tal participação não pode ser considerada de menor importância, já que era essencial para a consumação do delito, não incidindo, portanto, o art. 29, §1º, do Código Penal.
Assim sendo, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado e condeno Paulo, João e Júlio como incursos nas penas do art. 157, § 2º, I e II (por cinco vezes), c/c 14, II, na forma do art. 71, parágrafo único do Código Penal.
Passo a aplicação da pena observando o processo trifásico disposto no artigo 68 do Código Penal.
Fixo a pena base em 4 anos e 9 meses de reclusão, com base no art. 59 do CP, pois os réus possuem má conduta social, já que João e Paulo são indiciados em vários inquéritos e Júlio é usuário de drogas.
Pelo fato de Paulo ser reincidente incide a circunstância agravante do art. 61, I, do Código Penal. E pelo fato de Paulo e João serem menores de 21 anos, incide a circunstância atenuante do art. 65, I, do CP.
Sendo assim, em relação a Paulo compensa-se as circunstâncias de reincidência e menoridade relativa, sendo mantida, portanto, a pena base. Em relação a João, reduzo a pena para 4 anos e 1 mês e dez dias de multa.
Já tendo sido consideradas as agravantes e atenuantes presentes no caso em tela, passa-se agora a terceira fase da dosimetria da pena.
Nesta fase, aumento a pena em dois quintos devido às duas causas especiais de aumento previstas no art. 157, § 2º, I e II do Código Penal, quais sejam: o exercício de ameaça pelo emprego de arma; e o concurso de pessoas.
Em relação a Paulo e Júlio, a pena é, então, acrescida de 1ano, 10 meses e 24 dias, alcançando 6 anos, 7 meses e 24 dias de reclusão e 14 dias-multa. Em relação a João, por sua vez, a pena é acrescida de 1 ano, 7 meses e 18 dias, alcançando 5 anos, 8 meses e 18 dias de reclusão e 14 dias- multa.
Há também aumento da pena em dois terço, por força da causa geral de aumento de pena prevista no artigo 71 do Código Penal, resultando, para Paulo e Júlio, a pena de 11 anos e 1 mês de reclusão e 26 dias-multa, e, para João, a pena de 9 anos e 6 meses de reclusão e 22 dias-multa.
Por fim, incide a redução de um terço pela tentativa que é causa geral de diminuição da pena, prevista n art. 14, parágrafo único, do Código Penal.
Desta forma, a pena final de Paulo e Júlio é a de 7 anos, 4 meses e 20 dias de reclusão e 18 dias-multa no valor unitário mínimo legal.
Já a pena final de João é a de 6 anos e 4 meses de reclusão e 15 dias-multa no valor unitário mínimo legal.
Estabeleço o regime fechado, com fundamento nos arts. 33 § 3º e 59 III, do CP.
Por fim, condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal. Determino a devolução das coisas apreendidas.
Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados.
Façam-se as devidas comunicações aos órgãos de identificação e ao Tribunal Regional Eleitoral, para fins d art. 15, III, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Anote-se no Registro de distribuição.
P.R.I.
Rio de Janeiro 29 de junho de 2006.
Juíza de Direito
Elisa Esteves Dames Passos
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